"Here comes the sun..."
Essa música tocou hoje pela manhã e me permitiu esquecer a fatídica noite de ontem. Uma péssima noite, by the way, por causa daquelas rídiculas e chatas brigas de casal... Nesses mesmos momentos eu me pego refletindo se não seria o casamento uma verdadeira trama de desventuras em série; aquelas com um dia bom, dois normais, três ruins e 10 indiferentes a seguir. A matemática não bate e se afasta da lógica que supostamente fazem as pessoas não desistirem umas das outras. Acho que essa conclusão tem sido bastante comum, afinal, as pesquisas apontam dados assustadores sobre os casamentos desfeitos, superando o número dos realizados, em alguns lugares. Eu sei que é bem fácil mentir com dados, números e pesquisas mas olhe para o seu lado e veja quantos casais que você conhece estão juntos ainda, quantos não se separam por preguiça da dor de cabeça e, principlamente, quantos são felizes com o companheiro. É... assusta, não é?
Ainda ontem lembrei do Sr. Márnio que conheci na sala de espera do plano de saúde há algumas semanas. Sr. Márnio é aposentado da aeronáutica e poeta! Ao escuta-lo gabar-se (com toda razão) que no dia seguinte completaria 80 anos de idade e 60 de casado, não me contive e quase que por impulso indaguei-lhe curiosa sobre qual seria, enfim, o segredo para chegar até ali. Eu queria mesmo saber "como", de que jeito... Ele calmo e até bem rápido me responde sem hesitar, como que possuidor de uma resposta ensaiada: "Paciência". Insatisfeita com a resposta curta e um tanto vaga, retruquei relutante: "Só isso? Só paciência?" (até pareceu que isso eu já praticava com maestria... pareceu apenas) e de modo mais dedicado, com a sabedoria que só a experiência é capaz de produzir complementa: "Há dias que nem nós mesmo nos suportamos, quem dirá o outro e tem mais, um dia o outro somos nós mesmos" (ele pode não saber mas ele resumiu em meia dúzia de palavras o conceito luhmanniano de autopoise, incrível não é?!), e continuou: "Amor mesmo se transforma, muda todos os dias é preciso cuidar para que ele não mude demais, mas com o passar dos anos é inevitável que ele se torne uma imensa vontade de fazer o outro feliz, e depois evolui para uma profunda (ele deu muita ênfase aqui) amizade e essa amizade nos conduz a viver em paz dividindo nossos dias com quem está ao nosso lado. Cuidando sem querer nada em troca, pelo simples prazer de cuidar".
Sutilmente sorri pra ele. Todos da sala pararam o que faziam para dedicar-lhe a atenção. Meu sorriso dizia em silêncio, ante à ausência das palavras, que ele deveria estar coberto de razão, todavia, eu não saberia como concordar sem antes, aquilo tudo, viver.
interessante que ele terminou sua preleção de forma descontraída enquanto assinava seus papéis com uma frase que me marcaria para sempre! Disse ele: "o casamento é mesmo complicado, não digo que não, mas não é um jogo. Jogo não é! Não existe jogo de um time só e casamento é um time só e não uma disputa. É cansativo viver em disputa. Ninguém aguenta viver em disputa. Você percebe que 'paciência' é o segredo quando repara que o placar deve ser sempre positivo, ganha-ganha e até quando perder para que o outro ganhe sozinho, sente-se vitorioso".
Nem em mil anos terei a sensibilidade e maturidade emocional para compreender o sentido dessas palavras, tão simples e profundas ao mesmo tempo.
Sr. Márnio me enviou por e-mail uma poesia a qual chamou se "Ode à advogada" e senti-me abençoada por cruzar-lhe o caminho.
Foi refletindo sobre isso que me acalmei ontem. Depois de chorar, é claro (meu emocional é uma boneca de porcelana - frágil demais no momento), afinal percebo que a cada dia, a cada batalha, a cada texto ou reflexão me torno mais sensitiva, e isso não quer dizer sensível.
Refleti. Repensei. Não deixei a mágoa descansar inconsciente; não alimentei o monstro da indiferença ao sabor do desconhecimento do que de fato me machucou tanto naquele momento... Fui até bem fria ao pensar e analisar o que se passava dentro e fora do nosso "superego", precisava saber o que me doeu de verdade, se foi o fato/ato, palavra-muda, ou só meu orgulho ferido ou contrariado.
Conclui por uma verdade intrigante... (que 'paciência' pode até ser o segredo, mas onde é que eu compro isso?!) que eu acho que amadureci. Não ri não... é serio isso!
Naquele momento eu me dei conta de que o que magoou e me fez triste mesmo é que ao amadurecer me tornei mais honesta comigo mesma e mais exigente também e não permito mais ofensas deliberadas e injustas, isso me entristece. Ao amadurecer percebi o quanto uma ofensa desmedida, desajustada, inócua, me ofende o brio. Já me satisfiz ao perceber que não era uma questão de orgulho, nem queda de braço, como muitos julgariam...
Revoltei-me com o autoritarismo, com a imposição do silêncio, da camuflada ordem de calar-me. Doeu porque fez calar o que passo a vida buscando falar, fazendo expressar. Cada um tem suas razões e justificativas para cada atitude, não discuto, mas me soa tão egoísta fazer calar meu coração, minha angustia, minhas justificativas, minhas verdades. Permitir isso tudo não revela apenas ombridade ou caridade, mas afasta a metáfora de que me fez sentir como uma lata de lixo, onde deliberadamente despejou um monte de porcarias e tampou com força, não me deixando sair, respirar, me livrar daquilo. Não quis brigar... Sério? Não brinca?
Deveria pois despir-se da bruteza do desabafo, da preguiça da conversa sincera, da palavra frouxa, do julgamento torpe, do cansaço infiel, do costume feio em falar comigo como quem bate um papo no trabalho. Deveria então cair fora da dicotomia em que vive ao sustentar princípio morais tão elevados ao passo que se permite dar apenas à medida do que recebe, fazer conquanto que o façam com você, revidar criativo ao argumento de que apenas 'dança conforme a música'. Assim estará fadado à injustiça sob o pseudônimo de 'igualdade', ou não sabe que se trata na verdade em dar tratamente desigual aos que desiguais são.
Será que isso não o relegará, não tarde, ao vazio se sentir-se só rodeado de pessoas, por mover-se por uma "ideologia", "política" ou hábito de pequenas disputas, cujos adversários vão ter que lhe dar com sua vingança criativa por não aceitar ficar por baixo, fazer mais que o outro, ser melhor que o outro? Tudo bem, eu sei que essa pode apenas ser a forma que você encontrou para exigir um tratamento mais corrento dos outros para si ao invés de falar, se expressar e muitas vezes, simplesmente pedir... Tenho certeza que existe uma razão lógica por trás, mas a questão é: ela não está dando certo pra você mais, nem pra ninguém que lhe cerca.
Eu não briguei. Eu não julguei. Eu sequer "desobedeci" seu grito imperativo baldado na ameça de levantar-se e não tornar a dormir ao meu lado naquela noite. Eu calei, como você mandou. Alto, bravo, macho. Egoísta demais para ver que quem mais perdia era você. Surdo demais para escutar seu próprio recado. Indiferente demais pra refletir sobre tudo e se limitou a pedir desculpas pela palavra invariavelmente pejorativa que descuidou-se em proferir. Ao fim ao cabo, não me contive, levantei então porque seria ultrajante virar para o lado e dormir, calada, subjugada e negligenciada à um pedido inexpressivo de desculpas relativo a uma palavra "mau" dita.
Poderia lhe explicar que o que feriu foi o tom crespo com que me tratou. O julgamento espúrio sobre minha conduta (sou isso mesmo ao seu ver?). O que foi foda engolir foi o ar arrogante, cheio de razões e detentor da verdade. A postura altiva e fracassada de quem se permite o direito de falar o que pensa, com tamanho desmazelo, ao passo que se recusa a ouvir. O que me arrasou foi a disput. Você sempre disputa comigo. Sempre em um jogo de adversários, cálculos sobre o próximo criativo movimento, se julgando esperto demais às avessas, ao punir, censurar, revidar.
Se sequer fosse capas de ouvir isso tudo e não se ocupar com o planejamento da resposta à altura, perceberia que nos últimos 3 dias, bancou o criativo, o inteligente, o justo, várias vezes... (ou andar pelado pela casa lhe é característico? Não errado e sinceramente, seria bem engraçado se fosse genuíno, não como fruto do seu jogo: "me calo mas não consinto e você vai ver").
Não lhe parece mais honesto com os próprios princípios, ou mesmo, mais criativo e inteligente repensar sua maneira de agir?
Ao fim, ao cabo, não poderia lhe falar tudo isso, não conseguimos ser sinceros, reciprocamente, a tal ponto, por razões bem óbvias depois do desembaraço dessas linhas. A essa conclusão, infelizmente, você só vai conseguir chegar ouvindo, não rebatendo, retrucando, montando o quebra-cabeça do argumento contrário cheio de razões que lhe aumentaria o placar. Precisaria perceber que é ruim tratar os relacionamento, quaisquer que sejam, como um jogo onde a criatividade do seu revide te faz mais especial. Imperioso que escute! Me escute! Porque sou eu quem está ao seu lado todos os dias nos últimos 10 anos, sou quem quem dorme, acorda, te analisa, te descobre. Eu quem convive, vive e revive suas artimanhas, percalços, fantasias, ilusões... Sou eu quem te olha e vê por trás da força que pretende demostrar... Os elogios carregados que escuta no seu trabalho, no centro ou sei lá onde, em parte, claro, bem verdadeiros eu bem sei, mas em parte superficiais demais para que se apegue e se apoie... Ou todo sabem o que diz o seu olhar observador, sua fala irônica, sua REação calculada à paga, sua palavra firme que expressa o contrário do sentido?
É ontem eu calei. Contra todos meus ideais e ideias, guardei pra mim, me deixei assim. Calei por uma razão sistemática e consciente: o motivo pelo qual você deveria me pedir desculpas é muito mais sério, profundo, complexo que aquilo e por caridade, honestidade precisarei dizer-lhe em momento oportuno para não permitir que me esvazie ao seu bel prazer ou como satisfação de um capricho. Não queria brigar... Sério mesmo? Seria esse o pior dos seus problemas? Veja só o que isso nos custou, me custou e te custou. Você pode até ter razão em querer cessar por ali o que viria a ser um debate sem pé nem cabeça, mas o certo seria encontrar uma forma qualquer mais cuidadosa ao falar, e não reservar-se ao direito desmazelado de cuspir e correr.
Não posso permitir que me faça isso de novo. Percebe que se eu permitir agora, fatalmente me anularei amanhã, me reduzirei a ninguém, nada do que penso que sou, que quero ser... Te darei na mão o direito de se imiscuir do respeito de reclame mais profundo que existe: o de que o seu limite termina onde o meu começa, e esse, meu caro, você não pode ultrapassar e por isso mesmo eu posso falar, eu devo, preciso à justa medida que se reserva ao mesmo. Isso é básico, princípio. Errou rude!
Esse nó amargo ao pé da garganta, agora traduzido, a revoltar-me o peito me fez ver que, mesmo que muitas vezes confundamos, existe um linha que define nossa individualidade e separa o joio do trigo, afasta o meu do seu, o que é seu e o que meu. Meu limite rígido. Seu sinal de "pare".
Respeitei você da forma mais justa, genuína, sincera e paciente que me coube. Percebe que noutros tempos, em face da imaturidade da dor e do amor, me sentaria na cama e me debruçaria a proferir-lhe questionamentos e palavras duras e extremamente inexpressivas, choraria compulsivamente e aí sim você se levantaria da cama. noutros tempos, a "impulsiva" aqui, cederia ao orgulho, à honra, ao desejo inefável de dizer o que pensa e fazer com que mastigasse aquela ameça com farinha... Mas não o fiz e não me arrependo. Guardei pra mim e levantei. E agora, sem impulsividade, sem arrogância, mais verdade que reflexo, mais ação que REação, mais maturidade que vontade, mais paciência que vontade de ganhar o 'jogo', sem julgamentos cruéis e impensados, sem pretextos egoísticos, sem pose imperativa, sem arrogar-me ao discurso frívolo, direi a você o que me causou e que não! Não aceito isso. Não dormirei sob o manto da imposição, mando, despejo do seu deságuo. Se quiser continuar criativo, à vontade, desde que isso não me toque a dignidade.
Ah! Quem me dera fosse apenas o uso de um termo descuidado a razão de todo mal.
Amadureci e vi que não sou mais aquela moça teimosa, inconsequente, impulsiva, impaciente que cede à luta, que entra na dança, que prefere ao fogo do degladiar-se ao custo calma da reserva de si para conhecer suas próprias fraquezas e descobrir a própria força. Amadurei mesmo e percebi que já sei definir meus limites e com o coração e a mente em paz exigir-lhe o cumprimento.
Você não quis brigar, tendo brigado. Me silenciou para poupa-se, tão só. Me guardei e resumo pra você nessas palavras: Não quero disputa. Não quero jogo de bate e rebate. Não quero sua injustiça mascarada de suposta igualdade, não quero sua reação calculada à custa de truques supostamente criativos. Hoje eu sei quem sou e quem pretendo me tornar e enfrentar você nesse eterno jogo de placar inconstante e disputas exaustivas não faz parte disso. Vamos viver a vida em consonância àquilo que pregamos e cremos...A pergunta é: quer vir comigo ou contra mim? Porque o Sr. Márnio tinha mesmo razão, o nosso amor também vai mudar muito e se não guardarmos o respeito, o desejo gratuito de ver o outro feliz, o que nos restará, portanto?
Pesado isso tudo. Denso demais. Mexi no barro que mora ao fundo do lago e fiz subir à superfície para que vejamos, senão, reconheçamos pois a necessidade da limpeza, faxina, restauração.
Aí me lembrei da música do momento (aquela que escuto mil vezes por dia - Ai como sou musical) que diz assim: "Deixa. Deixa mesmo de ser importante. Vai deixando a gente pra outra hora e quando se der conta, já passou... Quando olhar pra trás já fui embora."
Não seria isso, evitado pelo exercício sincero e constante da paciência? Paciência pra falar, para ouvir, para conversar, mesmo que difícil seja... Paciência... Um casamento vive e viverá sem paixão, sem sexo, sem grana, sem teto, mas o que é do amor se não houver paciência? Não existe, oras... E concluo como comecei: Será possível um casamento revelar-se em meras desventuras em série? Ou no amor, quer dizer, no exercício incansável, inafastável, permanente da ' paciência'?
"Respira, vai.
Não pensa no revide agora não.
Não se ocupe de argumentar com tudo pra que não saia perdendo.
Por favor, não de desgaste agora montando seu discurso ou calculando o próximo passo.
Não se sinta por baixo, não se sinta menos, não se sinta subjugado, desrespeitado, não é bem por aí mas não consigo com as poucas palavras que conheço lhe dizer isso tudo...
Não se encha de justificativas que, ainda que palatáveis, eu sei, rebateriam meus sentimentos e essas baboseiras que escrevi.
Não se muna, eu imploro, com a arma que cega, emudece pelo orgulho... Escuta só.
Deixa... Volte ao início, lê de novo se preciso for, finge que nem sou eu quem disse e procure refletir, pensar e ver... Amanhã ou depois nos dedicaremos às suas queixas ao meu respeito (são tantas eu sei), vamos falar da sua ombridade em me suportar, da sua caridade em me ajudar, da sua paciência comigo e como você se revela mais príncipe do que sapo e por isso eu o amo, mas eu preciso ser seu espelho pra que reflita as mudanças, os caminhos, os erros e os acertos para que se modifique, se melhore, consciente quem realmente é.
Me deixa pra outro dia e pense em si mesmo, não me peça silêncio, novamente.
Você me conhece bem e sabe que sou isso aqui, desse jeito, sem maquiagem, sem sorriso pra foto, sem legenda, sem rima. Sou fala, expressão, escrita. Sou a conversa, a confessa. Sou sem competir. Sou eu sua dizendo que ontem eu guardei tudo e confessei agora, aqui, que se permanecer guardado afasto de mim minha essência, minha verdade, meu brio, minha dignidade. Deixo de ser sendo o que não sou.
Engano. Me engano e te engano.
Jurei a você fidelidade, lealdade, companheirismo a vida toda, e mesmo que ele se mostre ruim, às vezes, até aqui cumpro minha promessa e por isso me despi de tudo e disse-lhe o que se passa aqui dentro. Não sei nem se te importa, mas eu espero, sinceramente, que sim.
O que será fidelidade e lealdade senão ser pra você tudo o que eu gostaria de ser pra mim, sem máscaras, sem placar, sem postura, sem medo, sem compasso, sem silêncio. Estou apenas sendo eu pra você porque tudo o que eu mais quero é ver a sua melhor versão estreando nesse mundo afora.'
E vamos os dois cantar:
"Olha lá, quem acha que perder é ser menor na vida
Olha lá, quem sempre quer vitória
E perde a glória de chorar
Eu que já não quero mais ser um vencedor
Levo a vida devagar
Pra não faltar amor"
(Um vencedor - Los Hermanos)