É porque não estou afim de estudar agora e resolvi escrever sobre o "primeiro de muitos" os cabelos brancos que encontrarei na minha cabeça...
Mentira! Não foi exatamente o primeiro. Já havia vislumbrado a insistência de um ou outro, tentei pinçar e se perderem, fingi que não vi, logo, oficialmente, hoje foi o primeiro que arranquei, branco da raiz à ponta. Ainda ontem brinquei com o maridão que, lindo como sempre, já permite despontar seus primeiros também que, agora, julgo até tardio, vista a hodierna inauguração.
Para muitos isso é algo que passara batido, não merecendo nenhuma ressalva, mas não pra mim... Por que não? Simples... Representara um marco bastante especial e, como de costume, explico.
Aula de Direito Penal na escola do MP, concentração à pino, preocupações outras enroladas na minha cabeça, dentre elas, lá estava, à flor do meu primeiro quarto de século, um alvo fio de cabelo a revelar-me o tempo que já havia passado. Aparição genuína, incontestável, ainda que eu quisesse procurar justificativas que pudessem de algum modo protelar a verdade que ela despontava: o tempo passou e a idade traz consigo não só experiência, a maturidade vem com um brinde chato e grudento que chamo de frustração. Uma frustração que decorre da pesada mão social que nos aponta a obrigação de haver conquistado o mundo aos vinte e poucos anos; frustração nascida no berço da graduação concluída e o emprego tardio ou indignante - no meu caso, do não emprego-, o preço do sonho buscado, da insegurança financeira ou mesmo dependência insistente, o medo da possibilidade de não chegar lá!
"Chegar lá"... O "lá" tão almejado e o "chegar" tão desgastante e cansativo. Essa expressão define nossa ilusão ou expectativa no porvir como se ele, por si só, fosse capaz de mudar nossa vida em face do aguardo.
Lembrei-me, naquele curto espaço de tempo, do quanto eu sonhava, aos 11 anos em ser adolescente... Maioria das pessoas que conheço almejam chegar a vida adulta, mas a mim bastariam os 15 anos. Pensava que meus cabelos seria maiores e mais lisos, minhas espinhas deixariam de ser tão horrendas, que aquele garoto do segundo ano finalmente iria me olhar e me ver de fato. É claro que nada disso aconteceu... Aos 15 anos eu já esperava ansiosa pelos 18, quando eu tivesse independência, dirigir sem medo de blitz, comprar, comer e fazer o que quero... Quem foi o retardado que nos disse que isso acontece aos 18? Estou com 25 e não aconteceu ainda!
È... mas os "18" mudam muito tudo, dentro e fora de nós, uma gradativa, é bem verdade, mudança que nos revela não quem nossos pais gostariam que fossemos, e nem quem imaginávamos que seríamos, mas quem realmente nós somos até ali, inaugurando um longo caminho em busca do "eterno vir a ser".
Nessa época comecei a graduação e já escrevi aqui sobre como da água, vinho me tornei, tentando expressar como o Direito mexeu, modificou, virou de pernas para o ar e fez acontecer dentro de mim, já escrevi sobre isso e não vem ao caso retomar... A faculdade me despiu e me vestiu uma toga preta, e ainda hoje venho buscando as cordinhas vermelhas...ou verdes! =)
Me desnudei de muitas ilusões, me embebedei com outras, mergulhei em ideologias, me perdi na filosofia, pensei, pensei, chutei a porta, saí da caverna e me enveredei por um caminho que ainda há me desfazer e refazer como em um passo de mágica, me revolucionando a cada dia. São tantas revoluções que, por excelência, não confio mais no que eu penso, porque vou mudar minha premissa logo na curva, e depois dela sabe-se-lá o que virá!
Cabelos brancos... Ah é! Volta aqui, ó!
Não poderia mais, depois de tudo isso aí, dizer que me iludia, estava tudo tão mais claro, todavia tão, mas tão distante que fui construindo ao longo do caminho uma lagartinha "feia que dói" e eu a alimentava com dúvidas. Isso mesmo, uma dúvida sobre o que eu era, o que eu faria, como iria viver, além de algumas preocupações azedas quanto às expectativas das pessoas que me cercam e com isso responsabilidades sociais, familiares e minhas íntimas-profundas-duras expectativas pessoais. Era tudo uma grande dúvida. Me alertou ele: "vai fazer o que quando terminar a faculdade?", preferi nem pensar porque sabia eu que daria de cara com ela "a grande dúvida" revestida do "porvir" que incansável, me perseguia até ali.
A faculdade chegou ao fim, oportunidade ótima para lagartinha feia deslavar a minha frente que a dúvida que eu tinha outrora ainda estava ali, tecendo a realidade da qual eu não mais conseguiria me esconder: trago muito dentro de mim entre desejos e aspirações, até mesmo belas lições e bonitas intenções, mas nada eu tinha e (ainda) nada era. Isso corta feito faca.
Corta a alma saber que o tempo passou, mas uma vez, como haveria de ser, já estava com 24 anos e eu já trazia na mala preciosidades, desgostos, experiências, vontades, certezas e dúvidas. Muitas dúvidas. 24.
Eram 24 anos, casada com o amor da minha vida, conquistado à luz de muita dedicação, morando na casa por nós construída, sob a égide de esforços cujo o gosto, só nós provamos (agridoce, by the way) e o Marvin.
Não vou negar que nesse quadro que pintei até aqui, a paisagem é bonita, pela janela vejo meus amores, e eu... eu já não tenho mais dúvidas! Troquei minha "grande-bruxa-dúvida" por uma certeza que serviria de mola propulsora. Uma certeza azeda que me tira de onde estou e me joga pra um caminho, caminho duro, doído, amargo muitas vezes, caro e impiedoso caminho de maturação intelectual, de construção de um patrimônio íntimo e profissional, gestado por um sonho e amparado por um ideal.
Aquela lagartinha agora estava vestida em um lindo vestido de linho nobre e claro, caro. Pense em um vestido caro! É foi assim que ela se apresentou agora, e sorrindo me dizia para ter um pouco mais de calma (ainda não consegui, inclusive)... Agora sonho com essa lagartinha teimosa trajando vestes talares. De beca preta e no pescoço um torçal de seda vermelha com uma borla na ponta, caindo sob o peito, representando um ofício... Na minha cabeça a imagem ficou engraçada! Ah essa lagartinha...
Não sei se melhorou ou piorou o panorama pois que, ao arrepio das minhas inúmeras limitações intelectuais, emocionais, financeiras, me estabeleceu um alvo. A carreira profissional. A mais difícil, distante, concorrendo com as mentes mais brilhantes da seara jurídica do país. O MP. Não sei se a lagarta sou eu ou esse alvo assustador o qual estou a trilhar...
Agora, com parcos 25 anos tenho nos ombros um milhão de motivos para deixar pra lá e no coração uma paixão digna de romances inglesses do século 18 que, de modo irrenunciável me exaspera a chegar lá.
Aqui de novo o "chegar lá", tão iminente, tão incerto em sua essência, certamente... Nesse momento, caminho, a passos lentos, à duras penas... Não se se vou me abandonar ou se vou insistir em mim, não sei se ele vai continuar acreditando em mim, ou até quando. Não conheço o limite das minhas forças. Desconheço minha resistência, pela simples razão de que nunca quis testá-la.
Todavia, a bem da verdade é que estou me pondo à prova. Estou me questionando, me irritando, me testando, me obrigando, me impelindo... Estou me buscando enquanto busco o "porvir".
Com minha (pouca) idade, o "porvir" não vem mais fantasiado de expectativas adolescentes, vestindo a roupa de um sonho efêmero de ter o que não tenho e não me engano com a cadeira de platéia. O que ponho a prova sou eu mesma, minha real expectativa sobre mim em face da minha capacidade de buscar, minha necessidade de ser o que ainda não sou e a consciência de que tudo isso depende de mim. Aí mora o medo, medo de não dar. Medo de não chegar... Porque não posso mais "culpar meus pais por tudo", não tenho como me esconder, não posso mais dizer que "não quero mais" (isso seria uma mentira pra me escusar da conquista), não dá mais pra jogar a toalha sem aceitar-me como fracasso porque, naquele quadro que pintei e ainda pinto existe uma fatura de cartão de crédito na bolsa, um caro manual de processo penal para comprar, um desejo irremediável de passar o ano novo em Paris, um bom gosto para sustentar, a conta do supermercado, o seguro do carro... Não são apenas ideais que me movem, isso seria bastante hipócrita afirmar. Junto do sonho, caminha um dever, uma responsabilidade a qual já me atraso... Uma vida que essa lagarta vem tramando dia-a-dia... Uma vida adulta demais que não me deixa me trancar em uma biblioteca o dia inteiro.
Aqui chego em um ponto no meio do mar. Não mais o ponto final (final da graduação) que também representou o ponto de partida (busca pela profissão)... Estou no meio do mar, longe pra voltar (e nem quero), longe de chegar (chegar lá). Nadando eu vou, perdida muitas vezes, sem conseguir ver a praia, cansada, insegura, sem grana, e pasmem: com cabelos brancos.
O fato é que movida por expectativas (irreais, diga-se de passagem) passeio por lugares incríveis, coleciono outras dúvidas mais e mesmo com a certeza do porvir, não sei se vou colocar naquele quadro a profissão dos sonhos, pode ser que eu me pinte de avental e não beca preta (não que avental seja menos ou não, só não corresponderia com quem sou por dentro e pode ser essa contradição me deixaria triste). Fato é que essa lagarta pode ser minha minha meta e eu estou muito nova para desacreditá-la, apesar dos cabelos brancos, e temê-la, apesar do histórico de não persistências, pois que, como já reconheci, muita luta me aguarda, é certo, muito medo ainda vou enfrentar, até enxergar que essa lagarta que me segue por toda a vida é o reflexo imaturo da borboleta que pretendo me tornar.