segunda-feira

Quanto mais me encontro mais me deixo pelo caminho...

Frequentemente me sinto injusta comigo mesma, como se não estivesse sendo leal a mim, como se fosse comum e mais cômodo 'fazer por fazer', 'calar por calar', seguir só por não ter pra onde voltar, me abandonando pelo caminho.
Irônico, se não hipócrita, estar nesse loop de teorias ideológicas, desabafos escritos tão sutis quanto reais, sonhos de conquistas que de tão sinceros tornam-se mais e mais distantes, declarações de amores já tão calejados por dores bobas e outras feridas e sua lenta cicatrização.
Costumava ser coerente me sentir um paradoxo e é preciso confessar que há uma beleza em ser inconsistentemente constante, aberta, pensante, pulsante, efêmeras as minhas certezas e mutáveis por consequência, construindo e desconstruindo para alcançar algo mais semelhante à plenitude de algum sentido da vida.
Mas agora me sinto um 'padrão' de contradições progressivas, esvaziando conceitos, denegrindo minhas próprias ideias, vivendo uma faceta incompleta e infiel de mim, calando minhas vozes pra permitir que outros falem por mim. 
Qual sentido de descobrir-se se não pode ser? Qual razão para buscar a si mesmo, se somos constantemente chamados a nos negar? Qual seria, então, o motivo para nos idealizarmos em um mundo que não nos cabe em traduções?
Não seria injusto e de certa forma torturante ter consciência, pensar por um, ou a um, propósito e de outro lado ter que lhe dar com a negativa do 'tudo' e 'todos' que lhe cercam em nos ver realizando-nos? Porque eu não concebo e me enfureço ao perceber que somos feito ratos em jaulas, frequentemente estimulados a nos superarmos e nos convencem que isso é necessário, ao tempo em que permanecemos cercados por vazios que preenchem espaços finitos, estreitos, mentes apertadas e pequenas. Ao fim e ao cabo, não somos quem podemos ser, somos 'o que' podemos ser, porque não basta não nos limitarmos e sairmos por aí a devassar nossos padrões, questionar premissas, estrear ideais e viver por ideais, o ambiente não se rompe em sua pequenez para você passar com sua grandeza de espírito. "Cala-te, engole esse choro! Centra-te na mediocridade dos anseios comumente materiais que ocupam e consomem seu salário, travestidos de objetivos de vida e fustre quando perceber que dedicou-se ao vazio por  todo o tempo. Mas não se engane que vai encontrar espaço nessa sociedade para expandir-se e verticalizar impressões, opiniões, reflexões por suas razões. Permaneça nesse núcleo abiótico que lhe envolve e consuma! Isso, eventualmente, consumirá você!"
Se Platão estiver correto ao induzir que aquele que encontra informação e com isso sai da caverna e vê luz, para o escuro não há de conseguir voltar, devo me imiscuir de tamanhos lamentos, ideias e suposições; me abandonar de pensamentos e confissões para perceber, por fim, que algumas cavernas, simplesmente, não saem de nós.
É que em face de tantos 'toma-lá-da-cá' que a vida me impõe, em face das insistentes derrocadas artificiais, por vezes irreais e superficiais, você se convence de que não é preciso pensar muito pra viver e, se assim o faz, está remando contra corrente e em breve vai se cansar... Olho para o lado e me assusto com a quantidade de pessoas que não questionam o mundo, a mim ou a si mesmas, não se desafiam nunca? Não se enfurecem com sua pequenez e nem se comprazem em mudanças íntimas? Isso me parece tão surreal, inteligível, destarte, me perguntarão: 'Pra que isso, menina? Besteira essa!' e eu fico aqui, pra variar, pensando, analisando, ouvindo jazz, escrevendo nesse belo caderno florido que ganhei de presente da minha avó sobre minha insatisfação com o engodo que é viver por viver. Pensar sem pensar, atropelando, forçosamente, nossa transformação tardia, que não tarde em nos tomar a conta.
Inquietude, cada dia mais consciente, constante, me incomoda a sair desse quadrado apertado que não me cabe mais, me faz olha lá fora e ver, escutar a música e ouvir o som que emana da arte, entender os sistemas que, mesmo metamórficos (como dizia Luhmann) não jazem em nos condensar, questiono mesmo pra ver brotar alguma razão para aquilo que, desarrazoado me parece, perfaz o sentido dessa minha existência.
É claro que fico inquieta! Você também deveria estar!
Será confortável assim, tornar lasso cada instante que oportuniza o 'descobrir-se'?
Porque se conformam com melindres, onde faz sentido isso? Onde está a plausibilidade das justificativas por se escusar de responsabilizar-se pelo próprio crescimento e transformar-se, contudo, ao argumento da "personalidade"? Quanto egoísmo! Quanta pequenez!
Afastar-se para não se dar ao trabalho da conversa. Revidar para não se submeter a cogente mudança de postura. Deixar a perder, por orgulho que o feriu... Quão imaturos são nossos reveses!
Por que (não entendo mesmo) as pessoas não se desconstroem em face da tragédia deliberada que produzem entre si, individual e coletivamente? Acaso julgam satisfatórias as peças cômicas e se fazem lastro da própria estrutura falida a esperar por um milagre?
De onde vem tamanha apatia que descola a boa razão dos nossos dias? Tamanha cegueira, comodidade quiça! Somos todas pessoas mais pouco humanas por excelência.
Melindres demais, 'mimimis' em demasia nos entorpecendo e nos impedindo de enxergar acima do 'pêlo do colho branco' o universo que clama ser explorado, reinventado dentro de cada um e no peito do outro e isso é tão incrível que não me contento e não entendo porque ninguém está me ouvindo... Por que ainda danço sozinha?
Ao passo que me descubro, me conheço e reconheço sou impelida a me deixar pelo caminho por faltar espaço pra mim aqui... Reluto, me revolto, me acalmo e sigo sob essa tênue linha de me encontrar e me abandonar, até o momento em que eu conseguir manter uma dupla personalidade: uma que de algum modo me conforte comigo mesma, me permitindo relaxar e ser sem melindres, medos e dedos, e outra que satisfaça o âmago da sociedade ridícula e limitada com suas pessoinhas doidas e doídas... Enquanto isso não acontece, vou buscando desculpas para a licença, me despedindo sutilmente e me retraindo para me libertar pois não consigo mais nadar no raso em que se situam as pessoas (a maioria delas), não consigo mais fingir que não, que não sei ou que não penso, ou se penso, que não me importo. Eu penso! E quando busco a beira, sinto falta de ar na superfície, não sobra espaço pra mim mais...
Acho que quando me afundei em mim encontrei um universo que me ocupa por inteiro.

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